sábado, 29 de setembro de 2012

Supremo Desatino

O julgamento do “mensalão”, termo criado por um réu, Roberto Jefferson, para ganhar notoriedade e acertar contas com desafetos, transbordou as atribuições do STF. A maioria dos ministros abandonou os parâmetros jurídicos para atuar política e demagogicamente. Assim, cada vez mais se afastam da responsabilidade de guardar as normas vigentes, baseados nos princípios da legalidade e da impessoalidade, assim como as de manter serenidade e zelar pela independência de sua instituição em face de outros órgãos estatais e de lobbies movidos por interesses inconfessáveis.
Lamentável e imprudentemente, as sessões plenárias da Magna Corte se tornaram espaços de ilações e autopromoção pessoal. Ademais, a recusa em desmembrar o processo para manter o direito recursal, o “fatiamento” das imputações e a espetacularização das performances pessoais – promovida pelos monopólios de comunicação em recortes ao seu bel prazer – envenenam a cena. Nesse clima, mais apropriado à sanha “justiceira”, os acusados são de antemão punidos, à revelia das provas e dos autos.
O Procurador Geral da República, ao arrepio da Constituição, e o STF, com jurisprudência corporativa, vêm judicializando a moral e a política, como alguns juízes do trabalho já trataram as greves. Na Ação Penal 470, o ordenamento jurídico, ou direito objetivado em leis, encontra-se solapado por interpretações personalíssimas. O relator – ministro indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, deixou de examinar os fatos e passou a condenar réus arbitrariamente, sem provas técnicas e movido pela subjetivação política de indícios fragmentados ou presumidos.
Ao substituírem os critérios sacramentados nas leis e nos métodos jurisdicionais por práticas sem lastro reconhecido universalmente no âmbito do próprio direito burguês – chegando a reinterpretar doutrinas pacíficas, como a tipificação do peculato e da lavagem – alguns ministros fizeram do julgamento um arremedo de justiça, cometido por uma espécie de tribunal de exceção extemporâneo. O Supremo se afasta, assim, de sua competência precípua, fixada no art. 102, caput, da Lei Maior, que é “a guarda da Constituição”.
Diante de semelhantes arbitrariedades, a Nação assiste a um retrocesso institucional dissimulado no discurso udenista, cada vez mais conservador, que – para lembrar Machado de Assis – “sem o zelo da Vestal não vinga”. Os precedentes abertos, ao violarem vários direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, criam condições para uma ruptura mais duradoura do tecido legal consagrado na Constituinte de 1988 e conquistado a duras penas na luta contra o regime militar de 1964, com o sacrifício de uma geração de brasileiros.
Caso “vingue”, o “direito alternativo” à direita alteraria os princípios e garantias que velam pelas liberdades democráticas e civis, pavimentando o caminho para o uso e o abuso das decisões judiciais pelos grupos econômicos vinculados aos órgãos de Estado e hegemônicos na sociedade civil. A instrumentação eleitoreira do julgamento, que envergonha o Judiciário e choca o ovo da serpente, faz recrudescer o tacão da República autocrática. O silêncio de entidades com tradição democrática, incluindo partidos políticos vinculados ao campo popular, é o primeiro recuo.
Não dá mais para ficar na expectativa ilusória de que o delírio seja pontual e pretenda verdadeiramente moralizar a vida pública. O atual Estado não tem condições objetivas e nem vontade política de vencer a corrupção endêmica que habita o capitalismo e manipula o sistema político-partidário. Prova é que figuras emblemáticas continuam intocadas: os torturadores da Ditadura Militar, que o STF blindou; os neoliberais, que na década de 90, sob o manto da privatização, entregaram o patrimônio público a preço de banana; e os testas-de-ferro dos grandes negócios, que continuam pontificando .
Só quem pode reagir são as forças populares, verdadeiramente interessadas em sanear a política, mas ao mesmo tempo aprofundando as liberdades. Chegou, pois, a hora de somar forças. Todas as pessoas, movimentos e entidades comprometidos com os direitos elementares – independentemente de ideologias e opiniões de mérito sobre o processo – precisam opor-se aos descaminhos, denunciar as arbitrariedades, recusar os vereditos viciados, denunciar as penas injustas, lutar pelo respeito às normas e exigir um julgamento estritamente legal.


Brasil, setembro de 2012,
Comitê Central da Refundação Comunista

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Sem adeus quando a morte lembra o futuro



Não é preciso nomear sua obra acadêmica. Nem elogiar sua inquietude intelectual. Nem mesmo enaltecer seu engajamento político-cultural. Muito menos apontar sua afeição pela cultura nacional-popular. Não é necessário, sequer, lembrar sua brandura e cortesia. As obviedades desaconselham declarações e atestados.
Todavia, no momento em que parece haver unanimidade entre os vivos, somamo-nos ao luto geral para saudar o professor que nunca se acomodou na cátedra e o militante que sempre integrou a luta pelos interesses e anseios imediatos e históricos dos trabalhadores e do povo brasileiro.
Para nós, o pesar pela perda de Carlos Nelson Coutinho é mais uma prova de que seus ideais comunistas, jamais abjurados, continuam vivos, assombrando o capitalismo e seus ideólogos, clamando pela emancipação humana. Eis por que preferimos, não lhe dizer adeus em sussuros, mas gritar:
Obrigado, camarada; valeu!

Brasil, 21 de setembro de 2012,
O Comitê Central da Refundação Comunista