Aos 180 anos da tomada de poder do Movimento Cabano
Por
Jorge André Silva
ALIENAÇÃO HISTÓRICA
180 anos e nenhuma
palavra que escape, nem mesmo por acidente, de qualquer das bocas que
falam para as massas. 180 anos de sangue de pobre, preto, índios
revoltosos, derramados pela fúria dos que dominam sem precisar de
justificativas, pois sua sanha sanguinária (ainda) os permite
ignorar a vida, o valor da vida e a pulsão por liberdade.
No Pará, 180 anos
atrás, o povo tomou o poder. Essa afirmação é tão agressiva e
tão impactante que desaparece dos livros de história ou é tratada
como mais um capítulo alegórico que serve apenas para
subquestionários de vestibulares excludentes.
Mas quem no Brasil
comemorou a plenos pulmões o derrubar violento de um governo que foi
opressor até que se viu acuado e deposto? Quem comemorou a invasão
da Prefeitura de Belém,a morte de europeus e a bandeira de pobre,
preto e índio, que tremulou em 07 de janeiro de 1835? Você soube de
alguém? Será que não houve ninguém?
Houve sim. Alguns
cabanos em Belém não deixaram a data passar em branco. Armaram-se
de armas cênicas para confrontar o silêncio sínico e ocuparam a
praça com uma tal marginalia desautorizada e inspiradora, para
gritar que a Cabanagem deve ser comemorada no dia em que foi
vitoriosa.
Cabanos realizaram
ocupações culturais no antigo Mercado de São Braz e na praça
Tancredo Neves no bairro periférico da Marambaia. Sarau Cabano e
Sarau Multicultural do Mercado. Ambos, construídos como ações
coletivistas, microfones abertos, exposições, textos libertários,
intervenções. E o tom, o mesmo: comemorar o povo que fez o
impossível apresentar-se como inevitável. Revolucionários cabanos
exigindo pertencimento em sua própria história.
O Sarau Multicultural
do Mercado ocorre mensalmente, na primeira quinta-feira do mês,
sempre no Mercado de São Bras e o coletivo Vagalume realiza diversas
ações sócio-artístico-culturais no bairro da Marambaia e
adjacências.
Vale
ressaltar que o termo “Alienação histórica” é exatamente o
que vivemos e que, ao contrário do que muitos imaginam, a palavra
alienação não significa burrice, desconhecimento, preguiça
mental, ou qualquer dessas acusações em que sutilmente foi
transformada. Alienar significa ROUBAR. Quando levaram seu celular,
você foi alienado dele. Portanto, a alienação é culpa
do alienador, não do alienado! Logo cabe perguntar: quem
vem roubando o conhecimento de nossa história, para quê o faz e o
que faremos?
REVOLUÇÃO POPULAR
Em Belém, a menção
cotidiana oficial ao movimento Cabano é uma data, nome de rua
inclusive, trata-se da Rua 13 de maio. Agitada, é uma das principais
vias de acesso ao consumo (e à exploração de cabanos urbanos).
Central no centro da cidade, a rua foi batizada pelo Império por ser
o local onde o líder Cabano (mas não popular) Eduardo Angelim,
residia e onde amargou a lembrança diária de sua derrota todos os
dias da vida posterior ao fim do levante popular.
7 de janeiro? Dia de
fogo, flecha, revolução? Não! Não comemorem. Nem mesmo
lembrem!!!!
Ao brasileiro não cabe
comemorar seus heróis. A menos que se trate de Ayrton Senas, Xuxas e
negros mais racistas que racistas. Ao brasileiro cabe memorizar
heroísmos que lhe tenham massacrado, ratificado explorações e
eliminado sua resistência. Ao brasileiro cabe repetir a história
dos vencedores, não dos vencidos, não a sua. E como vencidos ainda,
nossas vitórias não viram páginas, nem homenagens, nem hinos.
Nossas vitórias apenas
serão comemoradas se, por insurgências autodeterminadas e teimosas,
decidirmos que podemos nós mesmos escolher a quem aplaudir e a quem
tomar como modelos.
Quando, por
compreendermos o papel do ídolo no jogo de sombras burguês,
decidirmos que nos valeu mais um caboclo “anonimado”, tornado
“soldado que seguiu o líder”, do que ícones que anestesiam a
percepção de que quem derramou sangue não está listado na
história.
O povo que guerreou é
outro, não o que ilustra as iluminuras. Nunca vi Maria, Zé, Tião.
Mas foram deles as mãos de carregaram as canoas e que moravam nas
Cabanas que batizaram o movimento. Mas só isso.
Parecemos viver em um
país de heróis, mas de poucos heróis, não de povo coletivamente
heroico. A aparência que se constrói e se consolida é de que
nenhum movimento é realmente popular, mas resultado de líderes e de
sua potência de ação.
É por essa sensação
que as lutas mais importantes, as que se dão nas ruas, são
transformadas em segundos de telejornal, não em modelos embrionários
do que deveria ser a democracia.
Fala-se em revolução,
mas espera-se a reedição de outras revoluções, nunca as nossas
próprias. Fala-se em liberdade, mas busca-se a cristalização de
cúpulas livradoras. Fala-se de movimentos de massa, mas a primeira
busca é por sua subordinação, doutrinamento e hierarquização, só
depois disso a massa torna-se política. É o que demonstram e que só
vai acabar quando a própria massa decretar seu fim.
A ansiada revolução é
popular? Então porque ninguém está explicando isso massivamente
para o povo? Porque ninguém toma para si a Cabanagem, a Balaiada,
Canudos e quilombos?
LEVANTE CULTURAL
Por tempos no Brasil as
ideias eram mais perigosas que bombas. Tanto é que levantes
militares não amedrontavam tanto quanto livros, assembleias e
canções.
A mercantilização da
cultura é a guerrilha subliminar mais perigosa que o sistema
capitalista promove contra a sociedade, pois retira a liberdade
criativa sem demonstrar que está sufocando o poder de transformação
inerente ao brasileiro.
Levantem as mãos os
que gostam de samba. Agora os que sabem tocar.
Levantem as mãos os
que escrevem poemas. Agora os que se interessam por eles.
Levantem as mãos os
que pagam R$ 200,00 por um ingresso. Agora os que batucam nas panelas
e garrafas com feijão, ocupam a rua e cultuam a si mesmos enquanto
células da cidade.
Se a cultura é
produto, quem é a matéria prima? Nossos cérebros, nossas almas ou
o dinheiro de alguém???
Cultura-produto é
sinônimo de políticas públicas silenciadoras, artistas
panfletários produzindo para vender, não para viver (viver arte).
Cultura-produto é sinônimo de mega-espetáculo, nunca de carimbó,
forró pé de serra, samba de cacete, a não ser que sejam para
atender a um edital segregador que não passa de vestibular que
disfarça falta de vagas.
Cabanagem cultural.
Invasão dos centros de poder ideológicos pelas (e para as) mãos
das Marias, Zés e Tiãos. Cabanagem artística. Cabanagem contra a
sabotagem!
Não vou descrever
pormenorizadamente os atos públicos realizados em 7 de janeiro de
2015 em Belém, se você desejar saber sobre eles, pesquise no face
o grupo“Sarau Multicultural do Mercado” e sobe o Sarau Cabano da
Marambaia “Flávio GammaDagamma”.
Muito mais que
publicizar o que fizemos, o importante é perguntar: o que faremos?
POR UM BRASIL CABANO
No Brasil a esquerda
luta por hegemonias de grupo, não por hegemonia de classe. É por
isso que se a denúncia respingar em “colegas” ela é deixada de
lado. E dane-se a situação. É por isso que os sindicatos são
ringues, não cooperativas políticas organizadoras dos
trabalhadores. É por isso que os partidos são por dentro ninhos de
cobras que engolem cobras, não agregações de linhas de frente. As
vanguardas de hoje são equívocos, porque não lutam para construir
a revolução, mas para tomar o controle dela quando for vitoriosa
(sim, quando for vitoriosa, já que o desenvolvimento de sua luta
também não é de seu interesse).
O ouro de tolo
amealhado pelo carguismo, por mais reluzente e cheio de zeros à
direita que represente, nunca será suficiente para santificar os
carros/casas/prazeres comprados.
A subserviência dos
pseudo lutadores às benesses do sistema, não resolve nem os
problemas dos que se vendem nem a pulsação da revolta dos que são
vendidos, mesmo quando eles não entendem porque suas lutas não
avançam.
O Brasil por enquanto
não tirará do poder os filhos e apadrinhados de Dom Pedro, que hoje
possuem novos sobrenomes, que são acionistas de multinacionais
(brasileiras ou não), que ocupam a nata do topo de ponta da pirâmide
(onde as verdadeiras decisões são tomadas) e que travestem seus
empregados com fardas, legendas, bandeiras e manchetes. Isso só
mudará quando ELES FOREM O ALVO DAS MUDANÇAS.
Enquanto a luta for de
frações contra frações, de facções contra subgrupo e de
movimentos contra movimentos, os herdeiros de Dom Pedro estarão
retomando o poder de raros cabanos que ousarem sair de suas taperas,
matando-os e apagando-os da história.
O Brasil só será de
brasileiros quando uma Cabanagem nacional acontecer!!!
Isso é tão perigoso
que nossa cultura é de “13 de maio”, jamais de “7 de janeiro”.
Isso é tão perigoso que somos chamados para esperar por 1917 ao
invés de chamarmos todos para o pós-2013.
Cabano é bolchevique.
Cabano é comuna. Cabano é brasileiro que não sabia de nada e
assumiu por si aquilo que só se perdeu porque foi repassado para
dom-pedristas.
Dá até para pensar
nos gritos de guerra. “Cabanagem contra a sacanagem”. “Contra
burguês, flechas cabanas pra vocês”. “Chamem os cabanos”.
“Cabanarpara a corrupção acabar”.
Brincadeiras a parte, o
que realmente interessa é a pergunta: és cabano, mano?!
VIVA OS 180 ANOS DA
CABANAGEM!!!!
Ps.: Sentiu falta de
referências históricas, data e tudo mais? Isso você mesmo pode
resolver.
Ps2.:Este
texto é para incomodar e abrasileirar ainda mais nossa base
ideológica, afinal nem o Caetano acredita que só é possível
filosofar em alemão.
Ps3.: O
Sarau Multicultural é culpa do Jorge André Silva e do Ado Mendes; o
Sarau Cabano da Marambaia é culpa do Flávio GammaDagamma. Dá para
acha-los pelo facebook.
FOTOS DO SARAU
MULTICULTURAL DO MERCADO
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