A grande imprensa, protestos sociais e as suposições vândalas
por André Luiz Rodrigues de Rossi Mattos, Sociólogo e mestrando em História.
Em recente artigo publicado no
blog Viomundo (Anatomia do MovimentoPasse Livre, 10/06/2013), o Professor Lincoln Secco constatou as interpretações
que a grande imprensa e os grupos de poder imediatamente construíram em torno
dos protestos promovidos pelo Movimento Passe Livre (MPL). Segundo o artigo, “a
crítica dirigiu-se à turba, à baderna, ao ‘trânsito’, aos arruaceiros e aos
jovens filhos de papai”. Conforme ainda averiguou no mesmo texto, a grande
imprensa ainda descobriu os militantes partidários e assim, a revolta dos
jornalistas sensacionalistas se voltou contra os protestos, contra a suposta
baderna e também contra os militantes partidários.
Com diferente sentido, a
percepção do cenário que está sendo construída na grande imprensa com relação a
essas manifestações (não apenas com relação aos protestos em São Paulo ) também foi
expressa por Luciano Martins Costa, no Observatório
da Imprensa (O que querem os manifestantes, 11/06/2013). Segundo Martins,
as cenas transmitidas nos telejornais “refletem situações caóticas, com muita
confusão, bombas de efeito moral, trânsito paralisado [...]”, relatos lineares,
segundo o mesmo autor, que demonstram a suposta intenção dos manifestantes em
paralisar a cidade, irritar a população e demonstrar a ineficiência dos agentes
públicos.

Mas o
que torna os sentidos que foram citados acima preocupantes e que a grande
imprensa se ocupa em disseminar é a sua continuidade no tempo: como no passado
recente, se defende “baderna” como inerente ao protesto social e a presença do
militante partidário como nocivo aos movimentos socais.
Para
nos distanciarmos no tempo e no espaço, é significativo lembrar de George Rude
(A Multidão na história, 1991), que ao tratar dos movimentos populares ingleses
e franceses entre os séculos XVIII e XIX, não se surpreendeu “que as classes
ricas, sempre que foram impotentes para controlar as energias da multidão, a
tivessem considerado um monstro inconstante, ao qual faltava qualquer lógica”.
Mas não
é preciso percorrer um caminho tão distante para encontrar alguma continuidade
entre as interpretações passadas e as atuais, defendidas nas páginas e nos
telejornais da grande imprensa, por representantes do judiciário ou dos grupos
de poder que vez ou outra se assustam com as reações aos seus atos. Aliás,
essas interpretações foram (e são) bastante
correntes.

Em
1949, um grupo de estudantes que apedrejou um bonde na Praia do Flamengo em
protesto contra o aumento nas passagens dos bondes foi imediatamente considerado
um grupo comunista nas páginas da grande imprensa e esse grupo, depois de
preso, só se safou de ter sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional pela
condição de ginasiais e universitários que efetivamente caracterizava o grupo.
Ainda
mais significativos foram os quebra-quebras dos bondes em 1956, no Rio de
Janeiro, e em São Paulo ,
em 1958, quando os processos judiciais concluíram que a violência das
manifestações tinha como causa uma abstrata ação dos “subversivos” que haviam
corrompido o povo, sempre pacato e civilizado, das duas grande cidades.
Não
faltam exemplos para identificar que em sua grande maioria, as reações e
protestos populares (ou de segmentos sociais mais definidos, como dos
estudantes ou das juventudes, greves de operários ou de moradores de um ou
outro bairro) são fenômenos historicamente tratados como crimes, exceto quando
controlados, insignificantes ou quando atentem aos interesses daqueles grupos
estabelecidos de poder que não possuem força social para as manifestações de
rua.
Assim,
quando fogem ao controle ou quando os jovens ou os setores populares se tornam
a “turba” inconveniente e incontrolável, é preciso encontrar um recurso para
mascarar e justificar as suas ações, o número crescente de participantes nas
manifestações e o descontentamento social demonstrado em suas
reivindicações. Então, entra em cena, em diferentes épocas, o anarquista, o
subversivo, o comunista, o militante partidário interessado apenas em
desestabilizar um ou outro governo, uma ou outra regra estabelecida nas
relações e na organização das sociedades. Esses aspectos (e suas consequências)
não foram diferentes nos artigos publicados pelo execrável IBAD (Instituto
Brasileiro de Ação Democrática) entre o final dos anos de 1950 e início de
1960, quando esbravejava pela contenção e ação repressiva contra o movimento
estudantil ou, pior, na fala de Flávio Suplicy de Lacerda, ministro da Educação
da Ditadura, quando alegou que nenhum estudante havia sido expulso das
universidades brasileiras, já que todos os expurgados eram comunistas. Ora,
esses eram os subversivos mirins em voga
que rondavam o imaginário dos conservadores e reacionários desde os anos de
1940, finalmente execrados pela ação oficial do Estado e posteriormente
assassinados pelas forças da repressão.
Essas
interpretações estão vivas no presente momento, quando ao que parece, algo está
mudando. A relativa ausência, nos últimos anos, das mobilizações e dos
protestos de rua parece estar sendo revertidos em diferentes pontos do país,
ainda que de modo bastante fosco. Resta tentar perceber as motivações e os
sentidos que estão se expressando nesses movimentos.

O problema é que não é possível
prever o sentido que permanecerá nas interpretações sobre os protestos atuais.
Serão, amanhã, alvos dos mesmos sentidos que outrora lhe atribuíram os
anticomunistas, os reacionários, os que preferem manter as calçadas empoeiradas
ao invés de bagunçar um pouco as ruas e avenidas?
Fotos: Paulo Iannone (protestos atuais de São Paulo) e acervo pessoal do autor (protestos históricos década de 1950).
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