O PL 4.330/2004-A e a inconstitucionalidade da terceirização sem limite
Helder Santos
Amorim1
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A terceirização sem limite proposta pelo PL 4.330/2004
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto
de Lei n. 4.330/2004, que dispõe sobre a contratação de serviços terceirizados e
as relações de trabalho dela decorrentes, numa tentativa de normatização do
fenômeno da terceirização.
Na década de 1980 a terceirização de
serviços se expandiu largamente no cenário empresarial brasileiro, sob a
justificativa da necessidade de reformulação do modelo de organização produtiva
com vistas ao enxugamento dos custos de produção, para permitir a participação
da empresa nacional no mercado concorrencial cada vez mais globalizado. Desde
então, a jurisprudência dos tribunais trabalhistas se viram diante do desafio de
apreender e mediar as repercussões dessa nova realidade sobre os direitos dos
trabalhadores.
Inicialmente, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST), fundado na clássica doutrina de proteção do Direito do Trabalho,
enquadrou como comercialização ou intermediação de mão-de-obra – a ilícita
figura da marchandage – qualquer tentativa de contratação de serviço por empresa interposta, à
exceção do regime de trabalho temporário (Lei n. 6.019/1974) e da contratação de
serviço de vigilância patrimonial (Lei n. 7.102/1983), restringindo duramente a
prática da terceirização por meio do seu Enunciado de Jurisprudência n. 256 de
30/09/1986, que dispunha:
“Salvo nos casos de trabalho temporário
e de serviço de vigilância, previstos nas Leis 6.019, de 03.01.74 e 7.102, de
20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta,
formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos
serviços.”
Todavia, a restrição jurisprudencial não foi suficiente para inibir a
prática da terceirização, que continuou se disseminando largamente em todos os
setores da atividade empresarial, na década de 1990, sob o influxo da doutrina
política neoliberal hegemônica nos países de econômica central.
Assim, o fato econômico se impôs ao
Direito, e em dezembro de 1993 o TST reformou sua posição e passou a admitir a
possibilidade de terceirização de “serviços especializados ligados à
atividade-meio do tomador”, cancelando o Enunciado n. 256 e editando a Súmula de Jurisprudência n.
331 de 21.12.1993, uma espécie de solução compromissória entre as exigências do
mercado e os ditames de proteção constitucional do trabalho, vazada nos
seguintes termos:
(...)
III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a
contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983), de
conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio
do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação
direta.
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por
parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação
processual e conste também do título executivo judicial (grifo nosso).
A terceirização em
atividade-fim da empresa continuou sendo vedada, sob a presunção absoluta de
tratar-se de intermediação ilícita de
mão-de-obra.
Desde então, a Súmula n. 331 do TST tem
sido o marco da disciplina jurídica do fenômeno da terceirização na iniciativa
privada, permitindo sua prática na atividade-meio das empresas, com
fundamento científico
na “teoria do
foco”, da Ciência
da Administração. Segundo essa teoria administrativa, a empresa enxuta do
mercado contemporâneo deve concentrar seus esforços e recursos no que constitui
a especialidade do seu processo produtivo, transferindo (contratando) a
terceiras empresas todas as demais atividades que lhe sejam instrumentais e
periféricas, a fim de obter a máxima especialização produtiva, capaz de lhe
assegurar melhor qualidade do produto e menor custo de
produção.
Porém, nessas duas últimas décadas, mesmo com toda a atuação
fiscalizatória do Ministério Público do Trabalho e dos órgãos da Inspeção do
Trabalho, a terceirização se espraiou ilegal e indiscriminadamente em atividades
finalísticas das empresas.
Em pesquisa encomendada pelo Sindicato dos
Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros do Estado de São
Paulo (Sindeepres), Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas
(Unicamp), avaliou os desdobramentos do movimento de terceirização vivido no
país em duas décadas, de 1985 a 2005, a partir de dados relativos ao Estado de
São Paulo2.
Segundo o pesquisador, diversamente do que a teoria sugere, a
terceirização desenvolvida pelas empresas no Brasil não visou, inicialmente, à
qualificação do produto, mas, essencialmente, a assegurar a própria
sobrevivência empresarial, num contexto de quase estagnação econômica na década
de 1980 e de ampla competição internacional
desregulada.
Avalia o pesquisador que, em face desses fatores, a verdadeira
reestruturação produtiva no Brasil acabou se concentrando em alguns segmentos
dinâmicos, tradicionalmente internacionalizados, enquanto grande parte do
segmento produtivo, marginalizada das condições adequadas de financiamento e
acesso tecnológico, recorreu à terceirização como mais uma estratégia
empresarial defensiva, uma espécie de tábua de salvação, ao largo dos seus
fundamentos teóricos.
Nesse cenário de acirrada e desigual
concorrência interna e externa, grande parte dos empresários optou pela
terceirização como forma de reduzir custos de contratação de mão-de-obra,
destacadamente no setor de serviços, razão pela qual a terceirização acabou produzindo efeitos
nefastos sobre o sistema constitucional de proteção social do trabalhador, tais
como:
(a) enseja empregos precários e
transitórios
porque as empresas
fornecedoras ou prestadoras precisam de grande flexibilidade, conforme os
movimentos do mercado,
já que estão submetidas a ambiente de acirrada concorrência pelos contratos de
prestação de serviços, e, nesse movimento, promovem a redução salarial e de benefícios
sociais dos
trabalhadores terceirizados como meio de sobrevivência;
(b) promove a piora sensível das condições de saúde e
segurança no trabalho dos empregados terceirizados, o que enseja a maior incidência de acidentes de
trabalho entre
estes trabalhadores;
(c) enseja a insegurança no emprego, com
ampliação da
rotatividade de
mão-de-obra;
(d) promove tratamento desigual e
discriminatório
entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador contratado diretamente pela
empresa tomadora do serviço para exercício de idêntica função; e
(e) pulveriza a ação
sindical, em face
da transferência de grande contingente de empregados diretos, para empresas
prestadoras de serviços, desintegrando a identidade de classe dos trabalhadores
e desmobilizando os movimentos de pressão voltados à conquista de novos
direitos3.
Nesse contexto, dentre
quase trinta projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados,
voltados a disciplinar a prática da terceirização, o PL 4.330/2004-A é o que
hoje se encontra em mais adiantado estado de tramitação.
A proposição original, de autoria do
Deputado Sandro Mabel (PL), foi aprovada em 2006 na Comissão de Desenvolvimento
Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), e em 2011 foi aprovado na Comissão de
Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP).
Já tramitando na Comissão de Constituição
e Justiça e de Cidadania (CCJC), incorporou-se ao PL 4.330/2004 um
novo
texto, apresentado
como substitutivo pela Comissão Especial destinada a promover estudos e
proposições voltadas à regulamentação do trabalho terceirizado no Brasil, que
funcionou entre os meses de junho e novembro de 2011, e que teve por Relator o
Deputado Roberto Santiago (PSD). Com esse novo texto, o projeto de lei passou a
ser identificado como PL 4.330/2004-A, recebendo parecer favorável do Relator,
Deputado Arthur Maia (PMDB).
Na versão original do texto, do Deputado
Sandro Mabel, a terceirização era permitida nas “atividades inerentes, acessórias ou
complementares à atividade econômica da contratante” (art. 4º, § 2º), o que já demonstrava seu
propósito liberalizante da terceirização para além das atividades-meio das
empresas, já que, sob o ponto de vista estritamente etimológico,
atividades
inerentes são
aquelas que, por natureza, integram a atividade principal da empresa
contratante4.
Esse texto original não disciplinava os
limites da terceirização no âmbito da Administração Pública.
Já a versão atual do PL 4.330/2004-A, do
Deputado Roberto Santiago (PSD), em tramitação na CCJ, vai muito além, em seu
espírito liberalizante, pois permite a terceirização literalmente em
“quaisquer
atividades do tomador de serviços” (art. 2º, II), inclusive nas empresas
públicas, sociedades de economia mista e suas controladas, em todas as
instâncias federativas (art. 1º, § 2º, I).
O novo texto do PL ainda supera em muito o
propósito liberalizante do texto original, ao alargar os limites da
terceirização no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e
Fundacional (art. 1º, § 2º, II), permitindo a sua prática em quaisquer
atividades que não sejam “atividades exclusivas de Estado”, no âmbito da União, Estados e
Municípios (art. 12). Atividades exclusivas de Estado é um termo sem definição
legal, e que, segundo a doutrina do Direito Administrativo, diz respeito a
atividades estatais muito restritas de polícia, fiscalização, fomento, cobrança
tributária, previdência social etc.
Para se ter uma ideia do nível que alcança
o propósito disseminador da terceirização, veiculado pelo novo texto do PL
4.330/2004-A, atualmente o Decreto n. 2.271/1997 somente admite a terceirização
no âmbito da Administração Pública Direta federal, em “atividades materiais acessórias,
instrumentais ou complementares”, ou seja, em típicas atividades-meio, que
não interferem nas atribuições legais dos órgãos e entes públicos, a exemplo das
atividades de conservação, limpeza, segurança,
vigilância, transportes, informática, copeiragem, manutenção de prédios,
equipamentos e instalações etc (art. 1º). Jamais em atividades finalísticas dos
órgãos e entes públicos.
Se aprovado, o PL 4.330/2004-A revogará o
citado Decreto n. 2.271/1997, abrindo as portas para a terceirização em
praticamente todas as carreiras e espaços centrais dos órgãos e entes públicos
que não estejam inseridos naquele estrito e duvidoso círculo das atividades
exclusivas de Estado.
Ainda assim, em seu parecer,
o
Relator do PL 4.330/2004 na CCJ, Deputado Arthur Maia (PMDB), concluiu pela
constitucionalidade, jurisdicidade e técnica legislativa do texto, e no mérito,
reputou conciliados no projeto de lei todos os princípios constitucionais
relacionados ao tema da terceirização, quais sejam, os princípios da dignidade
da pessoa humana, da
livre iniciativa e dos limites da liberdade para
contratar5.
No entanto, conforme demonstraremos a
seguir, a terceirização sem limite, tanto no espaço da empresa privada, quanto
no âmbito da Administração Pública, tal como proposto pelo PL 4.330/2004,
afronta diretamente a Constituição da República, seja por violar o necessário
equilíbrio entre os princípios constitucionais conflitantes, privilegiando os
interesses expansivos do capital em detrimento do sistema constitucional de
proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores, seja por contrariar os
princípios constitucionais da moralidade administrativa, da impessoalidade e da
organização funcional da Administração Pública.
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A inconstitucionalidade da terceirização sem limite no âmbito privado
A vedação da terceirização
na
atividade-fim das empresas, prevista na Súmula 331 do TST, funda-se no princípio da
responsabilidade social e jurídica do empreendedor pelo risco da atividade econômica
(CLT, art. 2º), em
especial o risco decorrente da relação de emprego constitucionalmente prevista e
protegida contra a despedida arbitrária (Constituição, art. 7º, I), alicerce de
aplicação e efetividade de todos os direitos fundamentais dos trabalhadores,
previstos no art. 7º da Constituição. Daí porque, a terceirização em
atividade-fim hoje é considerada intermediação ilícita de
mão-de-obra.
Já o art. 2º, II, do PL 4.330/2004-A,
pretende reverter essa lógica protetiva e instituir um modelo terceirização sem
qualquer limite no âmbito da empresa privada, inclusive das empresas estatais,
ao definir como
contratada “a empresa prestadora de serviços especializados, que presta serviços
terceirizados determinados e específicos, relacionados a quaisquer atividades do tomador de
serviços”
(grifo
nosso).
Na medida em que permite a terceirização
em quaisquer atividades empresariais, inclusive em suas atividades finalísticas
e centrais, o PL 4.330/2004-A supervaloriza o princípio constitucional da livre
iniciativa, elastecendo a liberdade de contratação de serviços para além do
permissivo constitucional, já que submete a sacrifício desproporcional os
princípios do valor
social do trabalho
e da função social
da propriedade,
ensejando o esvaziamento da eficácia dos direitos fundamentais dos
trabalhadores.
O problema central reside em que a
terceirização reduz o nível de efetividade dos direitos fundamentais dos
trabalhadores terceirizados, mesmo sem retirá-los do plano de vigência formal,
já que promove a redução salarial e de benefícios sociais, enseja empregos
precários com alta rotatividade de mão-de-obra, piora consideravelmente as
condições de saúde e segurança, permite a maior incidência de acidentes de
trabalho entre os trabalhadores terceirizados e dificulta a ação sindical
voltada à conquista de novos direitos.
Interceptando a relação entre o
trabalhador e o beneficiário final do seu trabalho, a terceirização triangula
essa relação com a presença de um terceiro agente – a empresa contratada
– submetido às
regras do mercado concorrencial de serviço. Com isso, as condições do trabalho
terceirizado passam a sofrer o influxo das mesmas regras de mercado, que exigem
flexibilidade, mobilidade, transitoriedade e redução permanente de custos,
forçando a economia de investimento em promoção salarial, em qualificação
profissional e em medidas de saúde e segurança. Esse movimento fragiliza
profundamente a condição jurídica desse trabalhador, promovendo a
desvalorização
social do seu trabalho.
Esse esvaziamento da eficácia dos direitos
sociais corresponde, no plano prático, à negação ou redução de sua efetividade.
O direito incide no plano formal, mas não se realiza plenamente no plano
material, pois o sistema jurídico de proteção desse direito encontra na relação
terceirizada obstáculos intransponíveis à sua plena aplicação.
Por todas essas repercussões deletérias
sobre o sistema de proteção jurídica do trabalhador, a limitação da
terceirização constitui verdadeira exigência constitucional.
A limitação da terceirização a um nível
aceitável social e juridicamente é medida de justa proporção entre os interesses
constitucionais colidentes, do capital e do trabalho. Por outro lado, a ausência
de equilíbrio entre esses interesses vicia a norma jurídica com severa
inconstitucionalidade, em face da violação do princípio da proporcionalidade,
vetor de interpretação da norma constitucional que visa a garantir a unidade da
Constituição.
O vício de inconstitucionalidade material
decorrente do excesso de poder legislativo constitui um dos mais tormentosos
temas do controle de constitucionalidade da atualidade, pois cuida de examinar a
observância do princípio da proporcionalidade, à luz do qual, o sacrifício a um
interesse ou princípio constitucional só é admissível na medida mínima
indispensável à preservação de outro interesse ou princípio igualmente
constitucional.
Nesse exame de ponderação, o princípio da
proporcionalidade exige sempre uma solução de equilíbrio que preserve a unidade
hierárquico-normativa, a supremacia e a força normativa da Constituição, de
forma que o Direito exerça sua função distributiva de justiça.
Em seu parecer, o Relator do PL reconhece
a necessidade de análise da matéria sob esse prisma da ponderação de interesses
constitucionais. Embora justificando posição diversa da que se sustenta nesse
artigo, diz o Relator:
“Os princípios
constitucionais, muitas vezes, são concorrentes entre si. Na medida em que a
Constituição trata de todos os aspectos da vida social e política de uma nação,
é compreensível que os vários princípios que abriga também produzam eventual
tensionamento de interesses opostos. Afinal, se é no seio da sociedade que
acontecem as disputas próprias do relacionamento humano, é natural que a
constituição, como contrato social, venha a tutelar interesses que sejam
contrapostos.
Outrossim, o papel
do legislador, como representante que é das várias matizes da sociedade, é
proceder a ponderação destes princípios, subsumindo suas distensões, respeitando
os limites delineados pela constituição, para, ao final, produzir marco
regulatório capaz de fornecer segurança jurídica e justiça
social”.
Mas, em que pese o reconhecimento teórico
da necessidade da ponderação dos interesses envolvidos, é notória, portanto, a
inadequação do exame de ponderação realizado pelo Relator do projeto, em seu
parecer, quando deixa de considerar nesse exame as repercussões deletérias da
terceirização sobre caros valores constitucionais.
O PL 4.330/2004-A
supervaloriza a busca desregrada do lucro, interesse do capital produtivo, em
detrimento da tutela jurídica do trabalhador, não apenas quando suprime os
necessários limites de contenção civilizatória da terceirização, mas também
quando, em diversas outras passagens, potencializa seus efeitos deletérios, a
saber:
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Quando autoriza e incita a cadeia de subcontratações, ensejando a figura da empresa sem empregado e sem responsabilidade pelas relações de trabalho necessárias à produção, com o aprofundamento das repercussões deletérias da terceirização:
Art. 2º, § 4º -
A contratada
contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados
ou subcontrata outra empresa ou profissionais para realização desses
serviços
(grifo
nosso).
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Quando reduz o nível de responsabilidade do tomador de serviço pelas condições de saúde e segurança dos trabalhadores terceirizados, em seu estabelecimento, reduzindo de responsabilidade solidária, conforme já reconhecido pela jurisprudência trabalhista, para responsabilidade subsidiária:
Art. 9º -
É
responsabilidade subsidiária da contratante garantir as condições
de segurança, higiene e salubridade dos empregados da contratada, enquanto estes
estiverem a seu serviço e em suas dependências ou em local por ela designado
(grifo
nosso).
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Quando autoriza a contratação de terceirização por pessoa física, incitando a disseminação indiscriminada da terceirização no setor rural e institucionalizando a indesejável figura do “gato” aliciador de mão-de-obra, já que no setor rural a maior parte dos produtores atua na condição de pessoa física:
Art. 2º, I -
Para os fins desta
lei, considera-se contratante: a pessoa física
ou
jurídica que, como tomadora dos serviços, celebra contrato de prestação de
serviços terceirizados (...)
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Quando institucionaliza a terceirização de correspondente bancário e postal, atividades que constituem o objeto social das instituições bancárias e da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT):
Art. 2º, § 5º -
As exigências
de especialização, constantes do inciso II do caput deste artigo,
e de objeto
social único, prevista no § 2° deste artigo, não se aplicam às atividades de
prestação
de serviços de correspondente bancário e de correspondente
postal.
Diante de todos esses aspectos, a
proposição legislativa acaba por fomentar espaço propício para um modelo de
exploração selvagem de mão-de-obra, no campo e nas cidades, para êxtase do lucro
desmedido, tornando letra morta a disposição contida em seu art. 1º, § 1º,
segundo a qual, “é
vedada a intermediação de mão de obra”. Essa mensagem normativa perde toda carga
de significado quando lida sistematicamente com as outras normas acima
analisadas.
A proposição legislativa visa a
desconstruir a valiosa experiência jurisprudencial da Justiça do Trabalho na
regulação da terceirização, nas últimas décadas, abandonando os limites
civilizatórios previstos na vintenária Súmula 331 do TST, para eleger o livre
mercado de serviços como o novo marco regulatório de valor do trabalho no país,
com sua conhecida eficiência para esvaziar a eficácia dos direitos fundamentais
dos trabalhadores, “contornando” a sua vigência formal.
Mesmo pressionada por uma prática
econômica e por um discurso econômico neoliberal hegemônico, na década de 1990,
a jurisprudência trabalhista conseguiu mediar o conflito entre o capital e o
trabalho, no plano da terceirização, estabelecendo por meio da Súmula 331 do TST
uma espécie de cláusula compromissória entre os interesses do capital e do
trabalho.
Ao limitar a terceirização à
atividade-meio das empresas, vedando-a na atividade-fim, a Súmula 331 do TST
passou a figurar como
uma espécie de ponderação in abstracto de princípios constitucionais, voltada a incidir de forma genérica e
ad futurum
sobre uma gama de
situações semelhantes, aproximando-se, neste aspecto, de uma lei em sentido
material.
Sendo inquestionável a sua justeza
constitucional como marco regulatório da terceirização na iniciativa privada,
nessas últimas duas décadas, a Súmula 331 teve destacada influência também na
regulamentação dos limites da terceirização no âmbito da Administração Pública,
influindo sobremaneira na fixação dos limites hoje dispostos no Decreto n.
2.271/19976.
O PL 4.330/2004-A propõe o abandono de
toda essa construção jurisprudencial de pensamento, forjada e amadurecida no
trato cotidiano dos conflitos decorrentes do trabalho terceirizado, trocando a
cláusula conciliatória de interesses constitucionais por um modelo de livre
mercado de serviços que reduz a função social da propriedade e somente satisfaz
aos interesses expansionistas do capital.
Paradoxal é observar que o PL
4.330/2004-A, em sua versão atual, totalmente liberalizante da terceirização,
sobrevém num momento em que a economia nacional, por força de conquistas
alcançadas na última década, já não se encontra sujeita às mesmas pressões
político-econômicas internacionais da década de 1990. Ao mesmo tempo, busca
desconstruir o pacto compromissório da Súmula 331, firmado pelo TST naquela
mesma década, quando todos os fatores econômicos pressionavam por uma solução de
livre mercado.
Isso mais evidencia a desproporção do
intento liberalizante do projeto de lei, diante da desnecessidade dos seus
efeitos restritivos de direitos, nesse momento, como medida de afirmação da
economia nacional.
O descompromisso genético da proposição
legislativa com o justo equilíbrio entre os interesses da livre iniciativa e do
valor social do trabalho também se evidencia na Pesquisa de Emprego e Desemprego de
2007, realizada pelo DIEESE em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre,
Salvador, Recife e Distrito Federal. Essa pesquisa demonstra que entre os anos
de 2002 e 2005, quando foi proposto o PL 4.330/2004, houve um pequeno recuo da
terceirização na iniciativa privada em face da queda na qualidade da
produção7.
Isso põe em séria dúvida a legitimidade
social da iniciativa legislativa, pois se a qualidade da produção foi
prejudicada pela terceirização, a razão de sua expansão somente se justificaria
no propósito de redução dos custos sociais do trabalho, o que mais acentua o
caráter unilateral da proposição, na constelação dos interesses
constitucionalmente conflitantes.
E por se demonstrar injustificada e
desproporcional, enquanto medida restritiva de direitos sociais, a terceirização
sem limite do PL 4.330/2004-A promove o retrocesso social e se revela
inconstitucional, violando o princípio de justiça que alicerça o Estado
Democrático de Direito.
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A inconstitucionalidade da terceirização sem limite no âmbito da Administração Pública
O PL 4.330/2004-A elastece sobremaneira a
possibilidade de terceirização de atividades no âmbito dos órgãos e entes
públicos, supervalorizando o princípio da livre contratação de serviços na
iniciativa privada, em detrimento dos princípios constitucionais da
moralidade e da impessoalidade, previstos no art. 37,
caput,
da Constituição.
Conforme salientado anteriormente,
enquanto o Decreto n. 2.271/1997, em vigor, somente admite a terceirização em
atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares no âmbito de
quaisquer órgãos e entes públicos, o art. 12 do Projeto de Lei somente veda a
contratação de
serviços terceirizados “para a execução de atividades exclusivas de
Estado
(...)”, o que
implica a derrogação dos limites impostos pelo Decreto e o elastecimento
desmedido da terceirização no âmbito das entidades da Administração Direta,
Autárquica e Fundacional.
A menção legislativa a
“atividades
exclusivas de Estado”, conceito sem previsão em norma jurídica e marcada por forte caráter
ideológico, não delimita a terceirização no âmbito dos órgãos e entes públicos,
como aparenta fazer, apenas impedindo, em princípio, a privatização de serviços que já são, por sua própria
natureza, atividades públicas tipicamente estatais, tais como as atividades de
polícia, fiscalização, cobrança de tributos, fomento, previdência social
etc.
Nesse panorama, a ausência de um marco
limitador da terceirização no âmbito da Administração Pública certamente
ensejará sua disseminação indiscriminada no interior dos órgãos e entes
públicos. E assim como no setor privado, a terceirização também produz
repercussões profundamente indesejáveis no âmbito público.
É fato notório que na última década, mesmo
com todos os limites impostos à sua prática, a terceirização disseminou-se no
interior dos órgãos e entes públicos em todos os níveis federativos, em todas as
esferas de Poder, ensejando uma série de repercussões deletérias sobre
importantes valores constitucionais.
No plano institucional, a terceirização
indiscriminada dinamizou o movimento de desregulamentação institucional e de
desprofissionalização do serviço público, concorrendo para liquidar funções e
esgotar planos de carreiras indispensáveis ao exercício das responsabilidades
estatais.
No plano social, por sua vez, esta
terceirização sem limite precariza as condições de trabalho, fragiliza a
organização coletiva dos servidores e ainda acentua a discriminação entre
servidores públicos e trabalhadores terceirizados, em grave violação do nível de
garantia constitucional dos direitos fundamentais destes trabalhadores.
A justificação constitucional para a
prática da terceirização no âmbito público reside na busca da máxima eficiência
administrativa. Isso porque a terceirização de atividades instrumentais e de
apoio, de fato, permite a concentração dos recursos humanos e materiais da
administração pública, assim como a própria energia administrativa, na
realização de suas competências legais, privilegiando o princípio da eficiência
previsto no art. 37, caput,
da Constituição.
No entanto,
a terceirização sem limite, em atividades que constituem competências
nucleares da Administração Pública, viola o “princípio constitucional da
organização funcional da administração pública”, que pressupõe um quadro próprio de
pessoal, organizado e profissionalizado, para o exercício contínuo das
atividades concretizadoras do interesse público8. Por sua vez, a
organização funcional pressupõe a predominância das relações de trabalho
firmadas diretamente entre o Poder Público e seus agentes, sujeitos ao regime
estatutário ou de Direito Privado, mas sempre exclusivamente comprometidos com a
realização de competências institucionais do
Estado.
Ao viabilizar a inserção desregrada de
pessoal nas atividades centrais dos entes estatais, a terceirização
indiscriminada também viola os princípios constitucionais da
impessoalidade e da moralidade, pois substitui o concurso público de
servidores pela licitação de empresas, criando espaço propício à promiscuidade
das relações entre o público e o privado, espaço este onde prolifera o
clientelismo e o nepotismo. É a negação pura e simples do elemento
constitucional democrático da meritocracia como critério objetivo e impessoal de
seleção do quadro de servidores públicos, em violação direta ao art. 37, II, da
Constituição.
Daí a razão pela qual a
terceirização no âmbito da Administração Pública, para atender aos ditames
constitucionais, deve ser tratada pela legislação como uma medida residual em
relação à contratação direta de servidores públicos, sendo inconstitucional a
proposição legislativa que não imponha esses
limites.
É tranquila a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as atividades
permanentemente necessárias à execução das competências legais dos entes e
órgãos públicos devem ser atribuídas a servidores e empregados públicos, sob
pena de desvirtuamento do mandamento constitucional (Constituição, art. 37, I e
II).
À luz
de todas essas razões, resta evidente que o art. 12
do referido Projeto de Lei, no ponto em que promove a terceirização sem limite
no âmbito da Administração Pública, viola diretamente regras e princípios
insculpidos na Constituição da República, vocacionados a garantir a higidez do
regime democrático e o respeito aos valores republicanos na administração da
coisa pública, razão pela qual a proposição sofre de irremediável
inconstitucionalidade.
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Conclusão
Embora a Constituição da
República não trate literalmente do fenômeno da terceirização, disciplina
diversos princípios, interesses e valores que são diretamente atingidos
pela prática da contratação de serviços terceirizados.
A terceirização é um
fenômeno administrativo que, na iniciativa privada, permite a focalização da
empresa em sua vocação central, mas que reduz o nível de eficácia dos direitos
fundamentais dos trabalhadores, e que, no âmbito público, quando praticada além
das atividades de apoio, restringe a eficácia de princípios constitucionais
caros ao regime democrático, tais como o princípio da impessoalidade e o princípio de
organização funcional da Administração
Pública no exercício de suas
atribuições.
Por isso,
a sua prática, determinada por razões de organização econômica, para
satisfazer legitimamente ao interesse constitucional da livre iniciativa e para
atender o princípio da eficiência no espaço da Administração Pública, deve
limitar-se a um patamar mínimo indispensável à realização destes princípios.
Além desse patamar mínimo, a terceirização constitui excesso que somente atende
aos interesses expansionistas da livre iniciativa, violando de forma
desproporcional aqueles outros valores constitucionais de idêntica
magnitude.
O vício de inconstitucionalidade material
decorrente do excesso de poder legislativo constitui relevante tema do controle
de constitucionalidade da atualidade, pois cuida de examinar a observância do
princípio da proporcionalidade, à luz do qual, o sacrifício a um interesse ou
princípio constitucional só é admissível na medida indispensável à preservação
de outro interesse ou princípio igualmente constitucional.
O PL 4.330/2004, ao
propor a terceirização sem limite na iniciativa privada, e ao propor a
terceirização desmedida no espaço da Administração Pública, promove o
desequilíbrio daqueles valores constitucionais atingidos, fundantes do Estado
Democrático de Direito, supervalorizando os interesses
da iniciativa privada em prejuízo da eficácia dos direitos sociais
dos trabalhadores e dos princípios republicanos regedores da Administração
Pública.
Portanto, considerando
que, diante do conflito entre interesses ou valores constitucionais,
o princípio da
proporcionalidade exige solução que preserve a unidade hierárquico-normativa da
Constituição, sob essa ótica conclui-se que os dispositivos do PL
4.330/2004-A, que permitem a terceirização nas atividades finalísticas das
empresas e entes públicos, revelam-se irremediavelmente
inconstitucionais.
Referências
AMORIM, Helder Santos. A Terceirização no serviço público: uma análise à luz da nova hermenêutica
constitucional. São Paulo: LTr.
DIEESE. Nota Técnica n. 112. Terceirização e negociação coletiva: novos e velhos
desafios para o movimento sindical brasileiro. Julho de 2012. Disponível em < http://www.slideshare.net/ luizdenis/
dieese-nota-tcnica-terceirizao > em 09.06.2013.
DIEESE.
Pesquisa de emprego e desemprego
2007. Disponível em: <http://www.dieese.org.br> Acesso em:
23.11.2007; KEIFER, Sandra. Terceirização perde status, mas não para o governo.
Estado de Minas, 23.09.2007, Caderno
Economia, p. 03-06.
PL
4.330/2004-A. Câmara dos Deputados. Comissão de Constituição e Justiça. Parecer
do Relator, Deputado Arthur Maia. Disponível em < http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/ fichadetramitacao
?idProposicao=267841> Em 10.06.2013.
POCHMANN, Márcio. A superterceirização dos contratos de
trabalho. Pesquisa publicada no site
do SINDEEPRES — Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a
Terceiros. Disponível em: <http://www.sindeepres.org.br> Acesso em: 13.10.2007
1
Procurador do Trabalho lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região.
Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
2 POCHMANN, Márcio. A superterceirização dos contratos de
trabalho. Pesquisa publicada no site do SINDEEPRES — Sindicato dos
Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros. Disponível em:
<http://www.sindeepres.org.br>
Acesso em: 13.10.2007.
3
DIEESE. Nota Técnica n. 112. Terceirização e negociação coletiva: novos e
velhos desafios para o movimento sindical brasileiro. Julho de 2012.
Disponível em < http://www.slideshare.net/ luizdenis/
dieese-nota-tcnica-terceirizao > em 09.06.2013.
4
Dicionário Priberam On Line. Disponível em < http://www.priberam.pt/dlpo/ default.aspx>
09.06.2013.
5 PL
4.330/2004-A. Câmara dos Deputados. Comissão de Constituição e Justiça. Parecer
do Relator, Deputado Arthur Maia. Disponível em < http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/ fichadetramitacao
?idProposicao=267841> Em 10.06.2013.
6
AMORIM, Helder Santos. A Terceirização no serviço público: uma análise à
luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, item 4.7.
7 DIEESE. Pesquisa de emprego e desemprego 2007.
Disponível em: <http://www.dieese.org.br> Acesso em:
23.11.2007; KEIFER, Sandra. Terceirização perde status, mas não para o
governo. Estado de Minas, 23.09.2007, Caderno Economia, p.
03-06.
8
AMORIM, Helder Santos. A Terceirização no serviço público: uma análise à
luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr, item 6.6.
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