segunda-feira, 21 de setembro de 2009

SOBRE O PIB DO 2° TRIMESTRE: REALIDADE E MITO




O IBGE publicou, em setembro, os dados sobre o período abril-junho deste ano, detectando um crescimento de 1,9% no PIB ante o 1o trimestre e o retorno de uma parte dos empregos perdidos. Foi suficiente para que se orquestrasse o coro dos empiristas e deslumbrados. As autoridades federais, que emitiram opiniões pueris e até absurdas a partir de setembro de 2008, segundo as quais o País estaria imune a uma crise considerada como doença alheia, hoje se jactam do que julgam ser a façanha de sua exemplar política antirrecessiva. Menos, menos ...
Para além do vício pragmático e das pirotecnias midiáticas de costume, potencializados pela disputa presidencial de 2010, que já começou, os analistas e governantes se deparam com dificuldades reais quando tentam fazer prognósticos econômicos sobre o fundo do poço, o tempo necessário para emergir-se e os efeitos a serem esperados. Isso porque, como assinalaram as Teses sobre Conjuntura e Tática (Cap. I, As dimensões cíclicas da crise, tese 20), a crise contemporânea tem múltiplas esferas, que são dinâmicas, interrelacionadas, contraditórias e hoje confluentes entre si:
“a) os fundamentos essenciais, com seus limites absolutos localizados no modo de produção e na reprodução do capital, expressos em forma de impasse universal;
b) as ondas longas – a fase depressiva da última tem mais de três décadas –, com suas características histórico-sociais e limites relativos;
c) os pulsos conjunturais, com suas conformações e características singulares, mais ou menos abrangentes ou persistentes em cada região, país ou momento.”
Ora, os políticos e economistas da ordem, mesmo aqueles com pretensões progressistas e humanitárias – como os social-liberais –, ignoram completamente os fundamentos essenciais (item a) e as ondas longas (item b). Não enxergam a crítica da economia profunda, que embasa a teoria dos ciclos sob o jugo capitalista e que descortina tanto as contradições quanto os limites absolutos da sociabilidade burguesa desde sempre e ainda mais na contemporaneidade. Também estão cegos diante da fase B ou depressiva da onda longa, conhecida como 4º Kondratiev, iniciada em 1972 mundialmente e no Brasil, que persiste e lastreia os ciclos conjunturais e as inúmeras recidivas ocorridos desde então, incluindo seus limites relativos de maior expressão.
O que chamam de crise – grosso modo – é apenas a constatação dos aspectos superficiais e mais notórios do ciclo conjuntural em curso, horizonte máximo de sua miséria teórica e de suas angústias práticas, articuladas em torno do binômio lucro-governabilidade. A conclusão desses profetas do senso comum é que a crise, como um todo, já foi superada. Para Luiz Inácio da Silva a “crise está vencida no Brasil”. Um comentarista da grande imprensa chegou a ombrear a economia brasileira com a chinesa – que teve um aumento no PIB de 2% no 3º trimestre –, decretando uma espécie de “empate técnico”. Existe até quem passou a elogiar o titular do Planalto, aludindo à sua “premonitória” imagem de “marolinha”, a exemplo de articulistas brasileiros e jornais considerados austeros do exterior.
Viseira? Desejo? Ambos? É obvio que o pulso conjuntural no Brasil será ultrapassado mais dia menos dia, com ou sem repiques e recidivas. O comportamento cíclico, como comprovou Marx, é próprio do metabolismo capitalista e sua recuperação é tão certa como dois e dois são quatro. Não menos garantido é que haverá novos pulsos enquanto existir a formação econômico-social burguesa. Também é claro que as políticas federais – o aumento persistente do salário mínimo e os projetos de assistência social, bem como a intervenção do Estado na forma de renúncia fiscal, financiamentos e aumento de gastos públicos – destoantes pontualmente dos dogmas e diretrizes neoliberais prevalecentes em geral ajudaram a evitar o pior em plena débâcle, possibilitaram o aumento do consumo familiar em 2,1% no 2o trimestre e seguraram o mercado nos últimos meses. Diga-se de passagem: bastou uma pequena oscilação nas condições objetivas para que setores mais conscientes e mobilizados do proletariado, até agora carregando o maior peso da crise, se sentissem motivados e capazes de protagonizar um novo e corajoso ciclo grevista.
Todavia, mesmo a retomada momentânea tem mais complexidades do que, lembrando Shakespeare, “pode conceber” “a vã filosofia” dos ingênuos de sempre e dos vivaldinos de ocasião. Já ficou constatado, pela mera observação da linha desenhada pelos dados empíricos nos eixos do sistema cartesiano bidimensional, que o ciclo conjuntural no Brasil não se assemelhou à letra “V”. Em vez de recuperar-se a partir de imediata ascendência após tocar o fundo do poço, constituindo um vértice pontiagudo, manteve-se em baixa, assumindo uma forma alongada semelhante àquela da parte inferior do “U”. Assim, o fundo espichou-se de janeiro (com suave descida) a junho (com suave subida), isto é, por todo o 1º semestre deste ano.
Se a referência for apenas o PIB, o crescimento de 1,9% em abril-junho superou o recuo de 0,85% em janeiro-março, que foi o termo comparativo para o cálculo, compondo a curvatura típica da mencionada base. Entretanto, a queda de 3,6 no 4o trimestre de 2008 ainda está por ser compensada: a onda conjuntural ainda se situa em sua fase côncava. Eis uma das diferenças abissais – há outras – entre China e Brasil: naquele país oriental ocorreu mais um crescimento de 2% sobre uma base forte e ascendente; nesta nação sul-americana, houve uma recuperação de 1,9% sobre uma base fraca e declinante.
Se o termo de comparação for o desempenho em 2008, a recuperação aparece ainda mais precária. No 1o trimestre de 2009 a retração foi de 1,8%, bem mais pronunciada, pois, do que a recuperação de 1,2% no 2º, ambas consideradas relativamente aos mesmos períodos do ano anterior. A situação da indústria, onde se localizou o epicentro da recessão, é ainda mais débil, haja vista a queda de 19,8% no último trimestre de 2008 e de 3,1% no 1o de 2009 ante os anteriores. A produção baixou 7,9% entre abril-junho de 2009 e o 2o trimestre do ano anterior. Tanto é que a base física da transformação industrial recuou 13,4% no 1o semestre de 2009 sobre igual período de 2008 e continuava, em junho, 11% abaixo da existente antes do ciclo conjuntural da crise.
Logo, o conceito corrente de “recessão técnica”, que referencia as análises dos especialistas oficiais, é insuficiente para entender-se a lógica, a dinâmica e as conseqüências sociais dos processos econômicos, mesmo em se tratando de ciclos de curto prazo, especialmente num país como o Brasil, em que nas últimas décadas o desenvolvimento foi deveras insuficiente – compondo um déficit acumulado de atraso, problemas sociais gravíssimos e pobreza crônica – e em que o desemprego só recuará significativamente se o PIB crescer a uma taxa média sustentada acima de 4,5%, como a experiência vem comprovando.
Mesmo que o movimento de saída do pulso conjuntural – ou a aproximação de uma nova fase convexa – se mantenha firme no 2o semestre, como esperam os responsáveis pelo BNDES, BC e Ministério da Fazenda e Presidência da República, voltando aos níveis de setembro de 2008, a recuperação efetiva, estável e duradoura do crescimento e do mercado de trabalho não se dará antes de 2010, por conta das seguintes características, dentre outras:
- localização em ramos particulares;
- oscilações em parte sazonais, como nos fins de ano;
- índices em geral mais baixos do que os de 2008;
- condições objetivas internacionais adversas;
- comércio exterior inibido;
- mercado interno desequilibrado, sustentado basicamente pelos segmentos de baixa renda e pela venda de bens de consumo financiados;
- produção e importação de meios de produção paralisadas;
- dependência exagerada de estímulos públicos providos por fonte estatal de capacidade limitada e motivação datada;
- sangria constante dos recursos públicos por meio do endividamento a juros altos;
- fonte de bens industriais localizada, basicamente, nos estoques acumulados e na capacidade já instalada;
- taxa muito baixa de formação bruta de capital fixo ou investimento, que caiu 17% no 2o trimestre ante igual período de 2008;
- política econômica eclética, sem uma estratégia clara.
Diante desse quadro, o futuro continua nebuloso. Trata-se de má notícia para os profetas que vaticinam para breve um novo Mar de Almirante! Que futuro poderia ter o diagnóstico desses candides nada voltaireanos, que caíram do céu em setembro de 2008 para as profundas do inferno em janeiro de 2009 e agora se imaginam novamente sentados ao lado do Senhor sem ao menos passar pelo purgatório? Tão somente a repetição inconsciente e trágica do gesto simbólico, pedagógico e irônico do padre José de Anchieta numa praia do litoral sul capixaba, quando simulava esvaziar os oceanos com um simples dedal.



Belo Horizonte, 20 de setembro de 2009,
Ronald Rocha


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sábado, 19 de setembro de 2009

O ESCUDO ANTIMÍSSEIS E A FLEXÃO DE OBAMA



As Teses sobre Conjuntura e Tática (Capítulo II, Os dilemas da Casa Branca, 77 a 81) assinalam que o isolamento estadunidense, iniciado com as fricções dos anos 90, pesou consideravelmente na reformulação da política externa de Barack Obama, especialmente nas condições de crise do capital, fim da unipolariadade e tendência ao agravamento das contradições fundamentais do mundo contemporâneo. As velhas diretrizes, inspiradas nas idéias de confronto permanente e de ditado unilateral, entre outros efeitos, colocaram em risco a prorrogação ou a reforma do Tratado de Redução de Armas Estratégicas, assinado com a URSS em 1991, que expirará em dezembro.

Diante disso a Casa Branca decidiu retomar a negociação que Bush havia abandonado. Assim, as relações com a Rússia de capitalismo restaurado favoreceram a busca do diálogo e do entendimento. Nesse quadro, os limites, a determinação e a paciência de Moscou foram testados, como em toda negociação regida pelo pragmatismo costumeiro na política burguesa. Não ficou claro se Joe Binden, agindo como porta-voz da Casa Branca nos primeiros dias após a posse do novo mandatário, firmava o pulso ou blefava para extrair recuos ou concessões, ao declarar, com a arrogância costumeira, que manteria o plano de instalar o escudo na Polônia e na República Tcheca, justificando-se, como seu antecessor, com a suposta necessidade de proteger a Europa do Irã.

O certo é que não conseguiu intimidar os contendores. Em julho, depois de muitos salamaleques diplomáticos, o presidente russo ameaçou posicionar foguetes num enclave próximo à Polônia e declarou, em entrevista concedida durante a cúpula do G-8: “Não haverá nenhum progresso sobre outros assuntos até que se resolva a irritante questão do escudo antimísseis americano.”

Dois meses depois, em 17 de setembro, Barack Obama caiu na realidade, recuou e anunciou o abandono do projeto de construir o sistema antimísseis em territórios vizinhos à fronteira russa. A reação dos países que receberiam as bases, esses cristãos novos da geopolítica estadunidense, adotando a psicologia dos preteridos e desamparados, foi de decepção e reclamação, mas Dmitri Medvedev elogiou a atitude e se colocou, imediatamente, à disposição para retomar o diálogo interrompido.

A flexão de Washington não representa o abandono de seus objetivos estratégicos mais gerais: apenas procura realizá-lo nas condições da nova situação internacional, em que falcões são obrigados a usar penas de pombas. De fato, o presidente estadunidense explicitou seu propósito:

“Implantar um sistema de defesa antimísseis que responda melhor às ameaças que enfrentamos e que utilize tecnologias aperfeiçoadas”.

Ou seja: ajustar a estratégia por meio de um novo plano, mais atualizado tecnicamente, mais abrangente no plano territorial e mais eficaz militarmente, com a vantagem adicional de aplacar os contenciosos indesejáveis e fortalecer as alianças européias. Trata-se de adotar o posicionamento mais flexível e versátil de intensificar a presença em bases marítimas, a partir de navios permanentes no Mediterrâneo e no Mar do Norte, capazes de preservar o alcance previsto na orientação anterior, armados com os mesmos artefatos e secundados por embarcações de reserva sempre a postos.

Ao mesmo tempo, será mantida a intenção de instalar mísseis em bases terrestres, desta feita os SM-3, na sua mais recente versão – conhecida como Block IB –, capaz de interceptar lançamentos de curto e médio alcance. Mantém, assim, o compromisso com as demandas e expectativas de Varsóvia e de Praga, talvez até mesmo expandindo o sistema para a Turquia, bem como estreitando e ampliando a colaboração com a OTAN, antes inibida pelo entendimento bilateral com alguns países cooptados após a diáspora da URSS. De resto, o novo plano prevê a implantação do pretendido escudo com seis ou sete anos de antecedência, como pede a incerteza que ronda a ordem mundial.

Sem dúvida, a flexão da Casa Branca representa certo fracasso da geopolítica imperialista. Todavia, os desdobramentos mais negativos foram neutralizados, uma vez que se procura regenerar a antiga essência, compatibilizando-a com o objetivo de reforçar as alianças, ampliar a sustentação diplomática e concentrar o fogo contra os focos de resistência mais tenazes aos interesses monopolistas-financeiros e aos desígnios da dominação imperialista sobre os povos, sem abrir mão da superioridade militar estratégica contra as grandes potências que possam desafiar o primado estadunidense. Para tanto, todos os meios e métodos da direita são tidos como válidos, como ilustra a recente transformação da Colômbia, no que diz respeito ao seu papel geopolítico e militar, no Israel, na Polônia e na República Tcheca da América Latina.

Belo Horizonte, MG, 18 de setembro de 2009
Ronald Rocha


Publicado na Tribuna de Debates do II Congresso da RC

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Convocatória II Congresso


 












Camaradas:


Em março de 2006 completou-se o I Congresso, que encerrou a experiência transitória do Conselho Nacional de Reorganização Comunista, criou a Refundação Comunista, aprovou sua linha estratégica, formalizou suas normas iniciais da organização partidária e elegeu seu primeiro Comitê Nacional.
A estratégia da Revolução Brasileira – fundamentos, princípios, diretrizes e políticas gerais é a resolução básica e a referência constante para a práxis dos militantes e coletivos. Definindo a revolução como socialista, dedica-se aos objetivos históricos gerais do movimento comunista, ao programa máximo e – considerando a situação concreta do País, incluindo a luta de classes em suas dimensões objetivas e subjetivas – aos elementos norteadores do programa mínimo de unidade popular.
No atual período político, a RC visa a fortalecer, sem diletantismo, sem estreiteza e sem vacilação, a luta comum do povo brasileiro contra seus inimigos principais: o imperialismo, os monopólios e o latifúndio. Assim, direciona o foco de seu ataque contra as forças econômico-sociais que, perpassadas, organizadas e hegemonizadas pelo capital financeiro, concentram, centralizam e promovem a dominação e a exploração no terreno nacional. Concomitantemente, destacou a importância do poder estatal como condição para que haja transformações de fundo no País.
O fórum constituinte da RC aprovou, também, uma resolução sobre tática: Reorganizar a Esquerda para Nova Onda Antineoliberal. Desde então, passaram-se três anos, que foi um período repleto de acontecimentos relevantes no mundo inteiro. Os eventos internacionais recentes, articulados ao desenvolvimento da situação política nacional, especialmente, aos efeitos da crise do capitalismo, às iniciativas de resistência dos trabalhadores e à proximidade das eleições de 2010, colocam desafios inéditos à militância.
Observando-se como parâmetro e rumo condutor de longo prazo a estratégia, é preciso redefinir a tática para a nova conjuntura política, bem como aprovar os Estatutos que consubstanciarão, definitivamente, os princípios, os valores, a concepção de organização e as formas de funcionamento interno.
Para que o todo partidário realize essas tarefas, de suma importância, o CN decide:
1) convocar o II Congresso, com a seguinte ordem-do-dia:
- Conjuntura e tática;
- Estatutos;
2) liberar e editar dois corpos de teses para referenciar as elaborações e discussões internas:
- Teses sobre Conjuntura e Tática;
- Tese sobre Organização;
3) abrir um blog nacional, dedicado aos documentos oficiais e à Tribuna de Debates;
4) reservar, no cronograma congressual, os meses de:
- setembro, para a leitura inicial das Teses pelos militantes;
- outubro, para a realização das Sessões de Base, Intermediárias e Estaduais;
- novembro, para a Sessão Nacional, em Belo Horizonte;
5) estabelecer que a eleição dos delegados seguirá os critérios:
- de proporcionalidade fixados pelos CEs (Comitês Estaduais), para compor as sessões locais;
- de um por estrutura estadual e mais um para 11 militantes (arredondando-se para o número inteiro mais próximo), para compor a Sessão Nacional.

Saudações comunistas,
Rio de janeiro, agosto de 2009,
A Comissão Política Nacional da RC





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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tribuna de Debates

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II Congresso da RC

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